terça-feira, 4 de outubro de 2011

Módulo Chuva.


Renato Bock



Em 2011 Brasília completou 4 meses sem chuva. Sem uma gota, nada, niente, rien, nothing! O índice de umidade caiu a valores alarmantes e sem dever nada para os desertos mais secos do globo. Menos de 10% de umidade por vários dias, causam uma série de estranhamentos ao ser humano, a ponto de influenciá-lo, não só fisicamente, mas também culturalmente. Não estou aqui evocando os deuses reacionários de determinismo mas sim conclamando os candangos a contarem como o tempo seco os influencia. Nesses quatro meses, o verde das plantas amarelou e se tornou cinza (das queimadas). A elasticidade da minha pele virou ranhuras de sangue. As melecas do meu nariz se tornaram blocos de concreto armado. O calcanhar está como uma lixa de parede. É preciso embebedar-se de hidratantes 3 vezes ao dia, usar compostos para a condição nasal, além do protetor solar que é gênero de primeira necessidade.
A secura com o sol queimam a pintura dos bólidos, e fazem os pneus cantarem no asfalto. A areia para as crianças brincarem virou cal. No entanto, a vida pulula nas noites. Há shows, festas, bares, encontros. Saímos com as crianças para ir ao parquinho à noite. Combinamos coisas ao ar livre e há a certeza de que não vai chover. A previsão do tempo, serve para informar o estado de atenção pela baixa umidade. As roupas secam rápido na corda e, se você acordar atrasado, não se preocupe. A utilização de toalha após o banho é quase figurativa.
A tarde cai laranja dando lugar pra Lua que tá sempre alvinha no céu. Aí a cerveja desce irrigando tudo que encontra pela frente. Você encharca tudo e vai pra casa trôpego. No dia seguinte (a ressaca é dura viu?) se mete em roupas de linho claras e sandálias confortáveis. A gente não sua muito não.
Quando tudo isso tá arraigado e você tá acostumado ao ritmo de seca, à cultura da seca, à vida da seca, São Pedro acorda, e acaba com a festa. Primeiro ele manda o aviso (as cigarras) e depois a dita cuja. Ele deve achar que a vida tá muito fácil com tanta previsibilidade e tanta habilidade em se moldar pela seca. A chuva exige que todo mundo mude de tudo.Como se virasse uma chavinha e você entrasse em “módulo chuva”. Só que isso num é tão ágil assim. A construção é mais lenta e sócio-histórica.
A temporada de chuvas faz a cultura candanga mudar outra vez. As arvores ficam verdes, os incêndios esmorecem, a pele ganha elasticidade. As chuvas alagam tudo e arrastam o que restou de folhas secas para os bueiros e a cidade começa a transbordar. O transito se fecha. O carro precisa trocar para pneus com mais ranhuras e limpa parabrisas que não estejam ressecados.
As crianças ficam mais dentro de casa e o parquinho vira berçário de aedes-aegypti.
Além disso, você tira todos os hidratantes de cima da pia do banheiro e dá lugar sabonetes poderosos para tirar a lama da pele dos enfantes.
De manhã, ao invés da roupa clara de linho e sandálias, você agarra calças escuras e grossas, sapatos fechados e um guarda-chuvas. Manda suas roupas de seca no tintureiro e as fecha até a próxima temporada. A lama não perdoaria esse tipo de vestimenta.
Os cabelos escorrem oleosidade (troca-se o xampu) e não há tolha no mundo que o deixe seco após um banho.  
As faltas de energia elétrica e as descargas elétricas tornam constantes jantares a vela e crianças assustadas. Também dão uma mãozinha para arruinar seu plantel de aparatos a eletricidade. Queima tudo!
Depois de tanta dificuldade semanal, o cidadão ainda se sente restrito de ir à chapada pois há muita tromba d’água e alguns atoleiros ao estilo WRX (World Rally Championship).
Além de tuuuuuudo isso, o que mais me toca é minha condição respiratória. A seca me trouxe paz pulmonar!! A chuva me traz falta de ar e outros arroubos nada agradáveis. E não coloquei na equação essa moleza que a umidade infundida no calor provoca e me impede de ir mais longe neste texto...
Bem. Então, se já não há mais seca, o negócio é enveredar pelos alcoólicos pois, ao menos (e apesar da altitude se manter), a ressaca esmorece um pouco.
Tin-tin!




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