quarta-feira, 8 de julho de 2015

Qual seu CEP?


Faz quase 10 anos  que estamos em Brasília. Gostamos muito de lá. Nosso filhos são do plano piloto. Nossa vida profissional está nas asas, há tranqüilidade, há sensação de cidade menor, há liberdade e a rapidez, entre tantas outras qualidades daquela cidade em avião.
Mas tendo passado dois dias na chuvosa São Paulo, mais precisamente no bairro de onde vim, experimento a sensação de pertencimento. Aqui conheço não só as entranhas, mas as ex-entranhas, a ex=tória. Aqui eu sei que antes da suntuosa farmácia havia uma lojinha de coisinhas importadas, onde minha vó adquiria mensalmente 1 matchbox pra mim.
Aqui a gente comenta que neste bairro, antigamente, andava-se de bicicleta pelas ruas sem ter muito que esbarrar nos carros. Aqui ando pela rua e converso com o dentista que tratou da minha (pouca) saúde bucal infantil, com a senhora que reclamava que jogávamos bola na rua, com o pedreiro que reformou nossa casa quando éramos jovens.
Aqui contamos histórias, contamos vantagens para os novos moradores e novos comerciantes. Aqui esperamos por anos o 6401 da CMTC que nos levava para fora do bairro. Aqui contamos que foi um manifesto elaborado pela minha avó que iniciou o processo para que recebêssemos um ponto de ônibus.
Aqui estão as minhas origens. Por aqui fiz amigos e amadureci. Muitos ainda circulam pelo bairro. Alguns comerciantes de outrora seguem com suas lojinhas apertadas pelos grandes empreendimentos. Os aviões de congonhas passam mais vezes sobre nossas cabeças. Os carros vincam a viela como antigamente não faziam. Mas o paralelepípedo resiste quase indiferente ao movimento.
A banca de jornal do supermercado segue vendendo figurinhas e balas que hoje nutrem (de felicidade e não de nutrição mesmo) os meus filhos.
O poste ainda segura a fiação horrorosa que nos interrompe a vista do céu assim com dantes.
Os passos do vizinho continuam sendo ouvidos na casa geminada.
Aqui as coisas andaram muito, assim como a gente. Mas seguimos contendo o andar da história. Dela ninguém pode nos afastar. Aqui É a minha história. Aqui eu tenho memórias, aqui as memórias me tem. As pessoas contam causos de quando eu era pequeno. Perguntam das minhas irmãs e sobre o que “demos” na vida. Localizam nosso presente a partir de um passado que conhecem. Atualizam nossas informações mas nunca sem relembrar as informações que não se apagam mais.
Alguns moradores se foram. Uns para outros bairros, outras cidades, outros países. Alguns já se foram da vida, como os meus avós. Eles mudaram para cá migrados da Bahia no final da década de 1940. Daqui nos levavam para andar de bici no Ibira e para depositar todo seu salário na bienal do livro. Logo ali na rua debaixo (sem saída) meu tio me ensinou a andar sem as rodinhas.
E se tenho aqui amarradas as cordas da minha história, imagina como as tem minha mãe e meu pai. Ela também cresceu aqui. Meu pai aparece na pagina da juventude da progenitora. Mas já tem alcunha do bairro.

Acredito que para compreendermos uma pessoa melhor é preciso saber de onde vem, a quem e a onde pertence seu passado. Eu hoje sei para qual CEP devo enviar qualquer um que precise me descobrir integralmente.  Vem para o 04535-050 .