Faz quase 10 anos que estamos em Brasília. Gostamos muito de lá. Nosso filhos são do plano piloto. Nossa vida profissional está nas asas, há tranqüilidade, há sensação de cidade menor, há liberdade e a rapidez, entre tantas outras qualidades daquela cidade em avião.
Mas tendo passado dois dias na chuvosa São Paulo, mais precisamente no
bairro de onde vim, experimento a sensação de pertencimento. Aqui conheço não
só as entranhas, mas as ex-entranhas, a ex=tória. Aqui eu sei que antes da
suntuosa farmácia havia uma lojinha de coisinhas importadas, onde minha vó
adquiria mensalmente 1 matchbox pra mim.
Aqui a gente comenta que neste bairro, antigamente, andava-se de
bicicleta pelas ruas sem ter muito que esbarrar nos carros. Aqui ando pela rua
e converso com o dentista que tratou da minha (pouca) saúde bucal infantil, com
a senhora que reclamava que jogávamos bola na rua, com o pedreiro que reformou
nossa casa quando éramos jovens.
Aqui contamos histórias, contamos vantagens para os novos moradores e
novos comerciantes. Aqui esperamos por anos o 6401 da CMTC que nos levava para
fora do bairro. Aqui contamos que foi um manifesto elaborado pela minha avó que
iniciou o processo para que recebêssemos um ponto de ônibus.
Aqui estão as minhas origens. Por aqui fiz amigos e amadureci. Muitos
ainda circulam pelo bairro. Alguns comerciantes de outrora seguem com suas
lojinhas apertadas pelos grandes empreendimentos. Os aviões de congonhas passam
mais vezes sobre nossas cabeças. Os carros vincam a viela como antigamente não
faziam. Mas o paralelepípedo resiste quase indiferente ao movimento.
A banca de jornal do supermercado segue vendendo figurinhas e balas que
hoje nutrem (de felicidade e não de nutrição mesmo) os meus filhos.
O poste ainda segura a fiação horrorosa que nos interrompe a vista do
céu assim com dantes.
Os passos do vizinho continuam sendo ouvidos na casa geminada.
Aqui as coisas andaram muito, assim como a gente. Mas seguimos contendo
o andar da história. Dela ninguém pode nos afastar. Aqui É a minha história.
Aqui eu tenho memórias, aqui as memórias me tem. As pessoas contam causos de
quando eu era pequeno. Perguntam das minhas irmãs e sobre o que “demos” na
vida. Localizam nosso presente a partir de um passado que conhecem. Atualizam
nossas informações mas nunca sem relembrar as informações que não se apagam
mais.
Alguns moradores se foram. Uns para outros bairros, outras cidades,
outros países. Alguns já se foram da vida, como os meus avós. Eles mudaram para
cá migrados da Bahia no final da década de 1940. Daqui nos levavam para andar
de bici no Ibira e para depositar todo seu salário na bienal do livro. Logo ali
na rua debaixo (sem saída) meu tio me ensinou a andar sem as rodinhas.
E se tenho aqui amarradas as cordas da minha história, imagina como as
tem minha mãe e meu pai. Ela também cresceu aqui. Meu pai aparece na pagina da
juventude da progenitora. Mas já tem alcunha do bairro.
Acredito que para compreendermos uma pessoa melhor é preciso saber de
onde vem, a quem e a onde pertence seu passado. Eu hoje sei para qual CEP devo
enviar qualquer um que precise me descobrir integralmente. Vem para o
04535-050 .
O meu é 71.515-225.
ResponderExcluirSegue de novo 01302-001
ResponderExcluir04535-050. Ali nasci e ali vi meus filhos crescerem. Agora recebo COM A MAIOR FELICIDADE DO MUNDO meus netos que chegam de avião, lá do avião e os que chegam ali da Vila Beatriz. Todos na rua sabem quem são meus netos e sabem seus nomes. Filhão, linda sua crônica. Uma delicia para qualquer psicóloga, para qualquer mãe, para qualquer amiga. Lindo para quem toma a historicidade como referência de análise na vida e da vida. Seguem algumas lágrimas e meu cep: 04535-050.
ResponderExcluirBem legal Renato. Apesar de residir em Campinas, eterna cidade de passagem, meu CEP é São Roque, e segue 18130-000 rua íngrime de paralelepípedo, de jabuticaba no pé da vizinha senhorinha que escondia os cachimbos do saci no quintal para procurarmos. Abraços :)
ResponderExcluirVivo no 04535-05 mais tempo do que vivi no 04582-020, quando saí aos 22 anos para casar e ter filhos. Reconheço na cronica do Rê todos os cantos, comércios e pessoas que constituiram sua vida e minha também. Minha vida ainda está constituida pela vida dele e de suas irmãs e claro da Ana a mãe de todos nós e agora os netos que se tornaram o motivo de vida. Observando seu caminhar, suas conquistas e outras nem tanto. Legal ter ajudado a construir uma pessoa capaz de escrever um texto com tanto sentimento e história ao mesmo tempo.
ResponderExcluirParabéns Renato. Não é á toa que Dona Ana Mercês esteja tão orgulhosa e lacrimosa!
ResponderExcluirMeu CEP é há quinze anos13.240.000, nada pessoal, pois é o mesmo para todos os habitantes da pequena Jarinu. Mas, vim na busca da concretização do sonho de uma vida compartilhada a dois na nossa maturidade. bjs