quarta-feira, 2 de maio de 2007

Incursões hospitalares na candangolândia - Capítulo II

A Cirurgia

Mais uma salinha. Me colocaram de avental invertido numa sala mais fria ainda, sem óculos, numa cadeira do papai, um controle remoto e uma TV de plasma. Mesmo com suas milhares de polegadas eu não faço a mais parca idéia do que estava passando. Tudo maravilhoso. Tudo como mandam as melhores férias. Só veio o banho de realidade quando notei que na mesma sala, dentro do centro cirúrgico uma senhora, agarrada à mão do seu médico perguntava se não era um sinal para ela não fazer a complicada operação no cérebro. Tentei prestar atenção na TV.
Médicos transitavam com roupas ensangüentadas falando nos seus celulares. Instrumentadores circulavam com pedaços de metal que mais pareciam espadas de Shoguns. Uma cena de filme de terror. Agora me sentia um boi indo ao abatedouro. Nesse momento toda minha humanidade tinha se esvaído e uma coisa grotesca e bárbara tomava conta da minha personalidade. Nesse momento de reflexão exaustiva, cresceu uma enfermeira. Quando pensei que ela ia falar comigo recuperando um sentimento mais proto-humano, ela simplesmente cobriu meu encolhido membro... (talvez valha a reflexão sobre a civilidade humana, sobre valores morais ou algo que se refira ao sentimento menos Neandertal imbuído no ato de cobrir o membro que repousava numa fresta de avental invertido ...)

Dali me chamaram para a sala de cirurgia. A enfermeira andava rápido e eu sem óculos, com joelho doente e ainda com o avental invertido a deixei nervosa: "Vamos, o senhor tem que me acompanhar". Expliquei com calma: Estou sem óculos e minha perna dói. Não posso andar mais rápido. Olhou com desprezo e continuou andando:

"Sobe nessa maca aí e põe o braço nesse apoiador." Note que já estava na sala de cirurgia sem ter deitado em nenhuma maca, sem nenhum tipo de assepsia. Colocaram o soro e os medidores de pressão e batimentos cardíacos. A sala permanecia de portas abertas e os enfermeiros circulavam de cá para lá como se estivessem no parque da Mônica. Falando de namoros, de encontros, de forró, etc,etc.
"O senhor vai operar a perna direita ou esquerda?" "Direita", afirmei. Um outro enfermeiro: "É ligamento né?" "Não, é artroscopia no menisco direito" categorizei. Não havia nenhum prontuário que desse informações sobre mim. Então, antes que me apagassem eu pedi uma caneta e escrevi na perna: "É ESSA". Também pensei em escrever que era asmático e que tinha alergia mas minhas mãos não iam tão longe.
Falava-se no celular, enfermeiras usavam brincos enormes e pior: OUVIA-SE LEGIÂO URBANA. O circuito interno se mostrava brasiliense e só tocava legião. Pensei em sair correndo e gritando. Fiz melhor. Chamei um assistente e perguntei: Tem IRON ou AC/DC? Obviamente o cidadão se fez de desentendido.

Refleti. “Se sou o "cliente" (versão reestruturada e "downsized" do antigo paciente), o que vai sofrer o procedimento, deveria poder escolher a música não é?" Passou uma das enfermeiras e resolvi cuidar de mim. "Enfermeira, quanto está a minha oxigenação no sangue?" Ela disse: "100%". ótimo para um asmático. Fiquei tranqüilo.
O doutor entrou, começou o procedimento e resolveram me apagar apesar da anestesia peridural. Como disse que tinha asma por estresse acharam por bem não me causar nenhum, naquelas tranquilas férias.
Doutor operou o joelho certo. Melhor. Foi a primeira operação que fiz onde o médico vem te mostrar o que tirou de dentro de você. Me mostrou uma coisa amarela e meio molenga. Supostamente meu menisco medial. Exibiu a mim como se tivesse parido aquela coisa e como se o joelho fosse a coisa mais linda do papai e do mundo. Entendi, de uma vez por todas, porque dizem que nenê tem cara de joelho.

6 comentários:

  1. renatito querido... só vc mesmo, hein?! boa recuperação procê, mano!!! estou louca pra ler o próximo capítulo!!!!

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  2. genial, cara ! estou esperando um ensaio premio pulitzer quando você fizer sua primeira safena, aos 75 anos...beijo na bunda

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  3. Será que um dia vamos voar?

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  4. Estou acompanhando capítulo por capítulo. Como é divertido operar o joelho! Pelo menos pra quem lê.
    Força aê, meu bom.
    Beijos e saudade,
    Ju

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