quinta-feira, 31 de março de 2011

Keynes e os absorventes femininos

Escrevi esse texto faz 10 anos. Ainda assim, fazendo uma pesquisa, o achei publicado na net. Pra os economistas e fetichistas dos números de plantão, é uma análise bem humorada de um índice em particular.


Keynes e os absorventes femininos
(Renato Bock, 2002-04-29)
Keynes muito provavelmente entraria em surto ao ver uma situação como esta: O preço da estabilização de nossa moeda e a subserviência às regras do FMI "sucatearam" nossa população ao ponto de apenas um entre cada cinco brasileiros poder ser considerado consumidor. 
A propaganda na TV prega a liberdade de escolha, pelo melhor produto e/ou pelo menor preço. Mas pergunto, que escolha? A maior parte da "sucateada" população brasileira não pode sequer comprar itens básicos como absorvente feminino, quanto mais escolher aquele super fininho, com abas laterais. 
Por acaso você sabia que a média mundial de consumo de absorventes femininos da classe média é de oito unidades por mês por mulher?
Acho que você nunca tinha parado para contar quantos realmente usa. E mais, se algum dia contou, nunca apontou suas conclusões para seu namorado ou irmão não é?
Mas a bomba vem agora. No Brasil esta média só chega a dois, mesmo considerando todas as classes de consumo. (Fonte: Santher, Fábrica de Papel Santa Therezinha S/A Apud Revista Carta Capital, 03/04/2002, n.º 183, p. 29)
Pode parecer piada, mas se usarmos este dado como indicador de má distribuição de renda nos curvaremos à triste realidade brasileira. Este dado tanto traz incômodo aos economistas "cientistas sociais" como aos "fetichistas dos indicadores" (Aqueles apaixonados pelos índices).
A renda das classes C, D e E brasileiras são sequer suficientes para que os mesmos tenham conta em banco. (LatinPanel/Ibope Apud Revista Carta Capital, 03/04/2002, n.º 183 ).
Se nosso destino é mesmo nos transformar numa nação capitalista precisamos primeiro "construir" consumidores. Para cumprir este objetivo é preciso promover a distribuição de renda. Para Keynes, o Lord do capitalismo de Estado, da Social-Democracia e de tantas outras facções deste sistema de produção, a concentração de renda não conduz ao aumento de consumo, pois chega-se a um ponto onde o capital acumulado supera a capacidade de satisfação de qualquer necessidade humana através da aquisição de mercadorias e serviços. O destino do capital é então a poupança ou alimentação um mercado financeiro cada vez mais especulativo.
Neste sentido, a concentração de renda conduz a uma redução no consumo, que por sua vez acarreta uma contração na produção, nos encaminhando fatalmente a uma redução no motor do capitalismo que é a taxa de lucro. 
A distribuição de renda se faz necessária se almejamos algum tipo de desenvolvimento social e econômico. Sob a ótica Keynesiana, onde o consumo é a base da acumulação capitalista, a solução do problema não se resume à divisão igualitária da riqueza. O fomento do consumo interno, deve ser seguido de um aumento proporcional na produção e na estrutura de distribuição das mercadorias. A simples distribuição de renda conduziria a uma explosão na busca pela satisfação de necessidades através da aquisição de bens e serviços, que não correspondidas pelo mercado levariam, certamente, a um processo inflacionário. 
Capacitar a maioria dos brasileiros a comprar produtos básicos como o absorvente feminino, mesmo que não seja aquele com abas laterais, é a forma mais básica de inclusão social, e de garantia de dignidade merecida por qualquer ser humano. 
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Renato Bock -
mr_bock@hotmail.com
Economista e pós-graduando em Economia Social e Desenvolvimento na América Latina - PUC-SP.
 



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