quarta-feira, 14 de abril de 2010

Lugar de Lixo é no Lixo

E chega-se o dia do 4º passo. Alguém atende o telefone de sua casa e uma voz anuncia que podes ir ao posto retirar o medicamento. Então, dirige-se ao local que já conhece-se bem. Vai-se ao fardado, que nesta feita, traja-se com casaco preto devido ao frio desértico do cerrado de altitude brasiliense, e indaga-se: Vim para pegar o medicamento. A voz do fardado entremea-se à do solicitante e pergunta: Qual é ele? Nesse momento gela-se a espinha, congela-se o cérebro, franze-se a testa e já prepara-se para a discussão. Pois era para esta pergunta que a resposta era, em muitos casos, “Essa medicação está em falta”. No entanto, comparece-se munido de um telefonema informando que o medicamento estava presente. Por isso, a preparação para a peleja. No entanto, o Sr recolhe as guias e informa que serás chamado pelo nome. “Aguarde no local”.
Senta-se no mesmo banco onde já havias passado horas a fio e a frio. Outros doentes começam a chegar e a fazer as mesmas perguntas de sempre.
Comenta-se com o senhor ao lado: Puxa, hoje está vazio né? Uma senhora entra na conversa e responde: “É sim, deve ser o frio”. Outro participa: “É que já é meio do mês e as pessoas pegam remédios no principio”. No entanto, um senhor mais acostumado com a situação esclarece: “Num é isso não. É que tá faltando muito medicamento.” Então, passa-se a observar as respostas dadas pelo fardado. Em mais de 80% dos casos, a resposta varia entre “O senhor/A senhora deve se dirigir ao posto da sua cidade” – no caso de gente que vem das cidades satélites ou então, “Esse medicamento está em falta, sem previsão”.
Quando algo parecia ser positivo e cooperativo, algo que ia durar menos tempo e que parecia estar funcionando, descobre-se que só funciona quando as pessoas têm frio, ou quando são mandadas pra casa, ou ainda, por que muitos dos medicamentos estão em falta na praça do Distrito Federal.
Ao final dessa constatação, e meio aos esfarrapados que não foram enviados pra casa por qualquer motivo, nota-se o estacionar de uma Land Rover. Carro inglês, chiquérrimo, que chama a atenção naquele ambiente onde tudo é de baixa renda. Sai do carro alguém que entra no posto e é chamado de Dr. Pelo fardado. Nesse momento pensa-se: “Algo de podre no reino da Dinamarca.” Em meio ao pensamento, o distinto cidadão, aciona o alarme de seu carro e os espelhos retrovisores se fecham, como se estivessem protegendo-se daquela visão complicada, daquela situação degradante. Não querem refletir o hiato social que ali se mostra patente.
Ouve-se o nome. Dirige-se a uma sala onde a funcionária - aquela que tem o artigo 331 pendurado acima de sua cabeça – explica que pode-se retirar o remédio utilizando-se da mesma guia por 3 meses. Depois, no quarto mês, é preciso nova receita do médico e fazer a renovação do pedido. (Isso envolve pegar todas as filas outra vez, é claro).
Finalmente chega-se ao 5º passo. Aquele que é em outro local, outro prédio, outro atendimento.
Caminha-se até ele. Nesse local há mais bancos espalhados, o que presume ainda mais fila e mais espera. Mas, como há poucos medicamentos disponíveis, os bancos estão vazios. Pergunta-se a outro cidadão fardado e também de casaco: Pra pegar medicação, onde é?
Aguarda-se alguns instantes e leva-se a papelada a um guichê. Nesse, tudo é conferido e confere-se uma senha. Essa é escrita à caneta em um pedaço de papel mal cortado. Do lado de fora, pessoas com suas senhas à mão aguardando a disponibilização de sua medicação. Um painel digital mostra a senha chamada. Aguarda-se ansiosamente a sequencia dos números ao som inigualável de uma campainha rouca exalada do letreiro.
Chega-se à vez e retira-se a medicação com sucesso. As pessoas permanecem ali, inertes frente ao letreiro. Aglomeradas.
Mais uma vez, parecendo ironia do destino, um aviso em letras garrafais abaixo do painel das senhas. Le-se ironicamente: “LUGAR DE LIXO É NO LIXO”.










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